14 de janeiro de 2008

O CANTO E A MÚSICA DE COIMBRA - Século XIX

JOSÉ ANTÓNIO DOS SANTOS NEVES DÓRIA (1824 - 1869)



Quando se aborda a história do Canto e da Música de Coimbra, no século XIX, é incontornável referir o médico, compositor e violista, que foi, José Dória, o chamado "médico dos pobres". José António dos Santos Neves Dória, nasceu em Coimbra, na casa paterna na Rua do Loureiro, a 9 de Novembro de 1824, e vem a falecer na mesma cidade, na sua casa na Rua do Cabido, a 25 de Maio de 1869.
Nasce no ano do movimento militar anti-liberal "a Abrilada", conduzido por D. Miguel (1802 -1866), levando a que o pai, D. João VI (1767 - 1826), se refugiasse num navio inglês surto no Tejo. Nesse ano, em Junho, é aprovada a Carta Constitucional, que cauciona o Absolutsmo. D. Miguel, em Maio, fora desterrado para Viena de Áustria. Lá fora, o positivismo dá os primeiros passos com a publicação do "Systhémede Politique Positive, de Auguste Compte.

José Dóra, não casou, não deixou filhos. Da amizade fraterna dos seus amigos, não há dúvidas. A lápide do seu mausoléu, no cemitério da Conchada, suportada pela figura da Caridade, diz simplesmente: "dos seus amigos". O frontão que se apresenta acima, é do túmulo funerário, e é a única referência deste tipo que conhecemos sobre José Dória. A fotografia instalara-se em Coimbra nos anos 60, onde um francês, abrira uma casa de fotografia na Rua da Sofia.

Os seus pais, nascidos em Côja, mudaram-se para Coimbra já com filho João Dória, o mais velho, nascido, tendo ainda vindo a ter mais dois filhos, dos quais o do meio, o José Dória, é o médico, compositor e violista, que tão bem representa a junção da vertente de inspiração académica e da popular no Canto e na Música de Coimbra.
O filho mais novo, António Dória, teve apenas uma matrícula na Universidade.
José Dória, aos 12 anos entra no Colégio das Artes (1836), onde o pai era professor de latim, aos 15 anos, na Faculdade de Filosfia (1841)e aos 17 anos (1841) está no primeiro ano da Faculdade de Medicina, onde se vem a formar-se em 1846. Forma-se no ano da rebelião da Maria da Fonte seguida da guerra civil da Patuleia, num ano de grave crise económica e social e de revolta contra o Cabralismo. Pela Patuleia, que rebenta em Setembro de 1946, José Dória está perto dos seus 22 anos, que fará a 9 de Novembro desse ano.

José Dória entra no Colégio das Artes (1836), no ano do segundo casamento de D. Maria II (1819 - 1853) em Janeiro, viúva apenas há uma ano, casando desta vez com D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha. Seu filho Pedro, (D. Pedro V) nascerá a 16 de Setembro desse ano, enquanto que o seu irmão D. Luís, que vem a ser rei, pela morte prematura de Pedro V aos 24 anos, nasce no ano seguinte, a 31 de Outubro, de 1838.

Este ano de 1846, corresponde a um período conturbado políticamente, com a revolta dos Setembristas no Porto, as demissões no Governo conservador do Duque da Terceira, e onde ainda se combatem absolutistas (guerrilhas pró-miguelistas), como seja o caso do Algarve, onde só dois anos mais tarde, é capturado e fuzilado em Faro, o seu comandante, Joaquim José da Silva Reis, o célebre "Remexido", que passara a ferro e fogo, parte do Alentejo e Algarve.

Foram criados os liceus nesse ano de 1846, ainda se compravam e exportavam escravos situação que apenas vem a ser totalmente abolida com a libertação dos mesmos em 1878. José Dória falecera há 9 anos.
Este século XIX, que começa com o Bloqueio Continental da França, comandada por Napoleão Bonaparte, e cujo governo durou de 1800 a 1814, passará pelas quatro invasões espanhola -francesa e francesas de 1801 (Godoy), 1807 (Junot), 1809 (Soult) e 1810 (Massena). A seguir, um período difícil, socio-político, que passa pela tutela, regência e comando do exército português, pelos ingleses e pelo general William Car Beresford (1778 - 1854), pela elevação do Brasil à categoria de Reino (1815), à morte de D. Maria II (1816), à execução do General Gomes Freire de Andrade e dos bravos, que com ele afrontaram o absolutismo retrógado (1817). Seguiu-e a fundação do Sinédrio, no Porto (1818), à revolução liberal de 24 de Agosto, no Porto (1820), a extinção do Tribunal do Santo Ofício (Inquisição) e ao regresso de D. João VI a Portugal (1821), à independência de facto, do Brasil e o Congresso de Viena(1822). A revolta da Vilafrancada (1823) restaura o absolutismo, no ano em que em Coimbra, os irmãos Passos iniciam a publicação do jornal "O Amigo do Povo".
O movimento anti-liberal, condizido por D.Miguel, na Abrilada (1824), tenta destituir o "pai" e leva ao seu destarramento para Viena de Áustria. Falamos de D. João VI, o "Pai oficial" de D. Miguel, pois havia quem afirmasse na Corte, que o infante seria filho dum criado ou de um médico da Corte. D. Carlota Joaquina, louca por amores extra conjugais, ardente e feia, por certo não teria grandes problemas com esses rumores. Contam os cronistas da época, que Junot, embaixador da França,vinte anos antes, e que por certo ocupava os seus sonhos "messalínicos" fugia da dita senhora a "sete pés". Os desenhos satíricos da época, apresentavam D. João VI, com um enorme "par de cornos". D. João VI, morrerá em 1826, de forma ainda por esclarecer, desconfiando-se que tenha sido envenenado. No meio destas "loucuras", o Duque de Loulé é assassinado. O povo sofre, a aristocracia conservadora diverte-se, o filho D. Pedro I (futuro D. Pedro IV de Portugal), é imperador do Brasil. No meio deste período histórico tão conturbado, nasce José Doria, a 9 de Novembro desse ano (1824). D. Pedro IV morrerá passados 10 anos (1834), subindo ao trono a sua filha D. Maria II, que governará até 1853, ano em que morre. A partir daqui, José Dória, ainda conhecerá os reis D. Pedro V (1837 - 1861),que morre de tifo na companhia de dois irmãos, na frescura dos 24 anos, e ainda o seu irmão (Lipipi), que virá a ser o nosso rei D.Luís I.

Como se disse, José Dória, nasce na casa paterna na Rua do Loureiro, com seus pais e irmão mais velho e padrinho de baptismo, João Dória. Com eles aprende as primeiras letras, e ingressa no Colégio das Artes aos seus 12 anos (1836). Aos 15 anos (1839), está na Faculdade de Filosofia, nos estudos preparatórios para a entrada na Faculdade de Medicina, onde entra com 17 anos. Corre o ano de 1841. Forma-se no ano de 1846. No ano de 1847 a Universidade está fechada, por força da Revolução da Maria da Fonte e depois da guerra da Patuleia.

Recém formado, José Dória, rapaz de ideais de justiça e de solidariedade, entra na recém criada Carbonária Lusitana (Académica), em 29 de Maio de 1848, marcando a sua discordância contra uma sociedade de pobreza, de desigualdades e de exploração, vindo a presidir à Choça Liberdade(1848). Era o "bom primo" Hufland. A esta situação, não é alheio o seu amigo Joaquim Martins de Carvalho (1822 - 1898), dois anos mais velho, carbonário, maçon e patuleia, que tanto fez como jornalista sério e honesto, e tanto nos deixou escrito, sobre a história de Coimbra e das suas gentes. A Academia sempre irreverente e satírica, não deixou "descançar" o célebre "doutor Latas" com partidas e disputas literárias, não esquecendo o facto de Joaquim Martins de Carvalho, nas suas origens, ter sido latoeiro.
Esse ano de 1847, ficou ainda célebre, entre outras situações, pelo fim da guerra civil da Patuleia e pela assinatura da Convenção do Gramido(29 de Junhode 1847), em localidade perto do Porto. A esta situação, não são alheios os ventos modernos dos novos Estatutos da Universidade vinos da Reforma Pombalina, a vinda de professores estrangeiros, entre os quais o professor Domenico Agostino Vandelli (1735 - 1816), as revoltas contra as invasões estrangeiras (de 1801 a 1810), os Batalhões Académicos, e sobretudo, os ventos de mudança que vinham da Europa.

José Dória, torna-se num médico popular, amado pelas gentes de Coimbra, está em 1851 na luta contra a cólera morbus, e nas suas consultas, os pobres não pagavam.
Com o seu irmão António, acode aos incêndios das redondezas, numa postura solidária e altruista, consentânea com os seus ideais liberais e de solidariedade.

Tocava orgão e viola desde jovem, aperfeiçoara os seus conhecimentos nas aulas de Música do professor José Maximiano Dias, mestre de música no Semináio Episcopal, que fora discípulo do lente de música José Maurício (1752 - 1815).. Compunha e tocava viola toeira, dizia-se que como ninguém. Diz-se que em jovem, construira um orgão onde ele próprio tocaria.Comparse Hermann , o grande actor e prestidigidor internacional, que Academia muito admirava, queria que ele o acompanhasse nas suas digressões pela Europa. Não aceitou, pois Coimbra e os seus doentes, estavam primeiro.
Em Lisboa, encantou, com as suas variações e o seu desempenho à viola. São do seu tempo em Coimbra, comoe referiu Joaquim Martins de Carvalho,o célebre jornalista, o maior do seu género naquela época, fundador do Observador e depois director do Conimbricense, Arnaldo de Sousa Dantas da Gama (1828 - 1869) que formado em Direito, segue para o Porto, Camilo Castelo Branco (1825 - 1890), que pouco tempo passou em Coimbra, mesmm assimo, fez amizade com Joaquim Martins de Carvalho, o poeta António Gonçalves Dias (1823 - 1864), José Anchieta (1832 - 1897), António de Oliveira da Silva Gaio (1830 - 1870), o médico e lente da Universidade, autor do livro "Mário", que vem à estampa ainda em vida de José Dória (1868), António Augusto Soares de Passos (1826 - 1860) o poeta ultra-romântico do "Noivado do Sepulcro", o lente em Cânones, Vicente Ferrer Neto Paiva (1798 - 1886) crítico acérrimo de Costa Cabral, deputado e ministro do Reino, Tomás Ribeiro (1831 -1901), o grande João de Deus(1830 - 189) o poeta ultra-romântico, Serpa Pimentel (1825 1900), e muitos outros.

Também, Almeia Garrett (1799 - 1854), António Pedro Lopes de Mendonça (1826 - 1865), o célebre actor Taborda, de seu nome Francisco Alves da Silva Taborda, que tantos peças representou em Coimbra, ficando célebre na irreverênca académica "o rapto o actor Taborda", Inocêncio Francisco da Silva (1810 - 1876), José Dias Ferreira (1837 - 1909), António de Oliveira Marreca (1805 - 1889),Rebelo da Silva (1822 - 1871), Passos Manuel (1801 - 1862),José Estêvão (1808 - 1862), António Feliciano de Castilho (1800 - 1875), Joaquim António de Aguiar (1792 - 1884),Julio Dinis (1839 - 1871), Emília das Neves (1820 - 1883),etc.

Sobre José Dória, Teófilo Braga (1843 - 1926) escreveu: "Este médico, bela figura de peninsular, assombrava todos com as suas variações sobre o Fado de Coimbra"

Joaquim de Vasconcelos (1858 - 1941) que o conheceu em 1863, ficou encantado com a pessoa e com o artista, e sobre ele, refere no seu livo "Os Musicos Portugueses" as suas composições para viola toeira:

- A Dôr, Resignação, Saudade, 2 Valsas Burlescas, Capricho burlesco, Canção ingleza, Queixume, Um Sonho, Canção Tyroleza, I Remember, Mazourka, Desalento, Lamentos, Caprichosa, Serenata, Desdém, Incógnita, Tango: Ai, que ferro!, Fantasia obre a Walsa do Pardon de Ploermel, Variações sobre o Carnaval de Veneza, Marcha Solemne, Preghiera, Capricho de Concerto (Introdução - Andante - Scherzo - Final). Acrescenta ainda Joaquim de Vasconcelos: "Quem haverá em Coimbra que não ouvisse a Dôr?" afirmando que "Capricho de Concerto" é certamente a mais notável das suas composições. Lamentávelmente já em 1870, Joaquim de Vasconcelos, dizia que "Todas estas composições ficaram em manuscripto, salvo uma ou outra foi litographada". São conhecidas as seguintes pautas musicais (1) e (2):

- Amores, Amores (Não sou eu tão tola que caia em casar)(1)

Música: José Dória
Letra: João de Deus (1830 - 1896)

- Coimbra - Recordações (Coimbra, terra de encanto)(1)

Música: José Dória
Letra: João de Lemos Seixas Castelo Branco (1819 - 1890)

- Ela por Ela (Mais florido que um palmito)(1)

Música: José Dória
Letra: João de Seixas Castelo Branco

- Os Quadros (Tango)(2)

Música: José Dória

Ficam pois algumas notas biográficas, sobre este grande compositor e intérprete,figura determinante nos primórdios do Canto e da Música de Coimbra, cuja vocação era a música, mas que quiz o destino que tivesse sido médico.
Joaquim de Vasconcelos entristecia-se quando ouvia José Doria dizer que "se acusava amargamente de ter fugido à sua vocação" e concluía: "Ganhei a vida a perdê-la".
Para o povo de Coimbra, foi "um artista e um benfeitor" diz-nos Joaquim de Vasconcelos, na página 91, do seu livro "Os Musicos Portuguezes", Vol. I, da Imprensa Portugueza, Porto, 1870.
José Dória, falecera no ano anterior.



(1) Informação do Coronel José Anjos de Carvalho

(2) Pesquisa do Dr. Antónío Manuel Nunes(in "guitarradecoimbra.blogspot.com)