14 de novembro de 2007

EDMUNDO DE BETTENCOURT (1899 - 1973)


 
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Aqui viveu Edmundo de Bettencourt, uma grande voz da renovação e do modernismo no Canto de Coimbra, um dos poetas da Presença, mais participativos. Um homem de carácter, exigente e rigoroso, solidário e leal aos seus ideais.

Resenha Biográfica de EDMUNDO DE BETTENCOURT

Edmundo Alberto de Bettencourt, nasceu no Funchal, na Freguesia da Sé, na Madeira, no dia 7 de Agosto de 1899 e, faleceu em Lisboa, no dia 1 de Fevereiro de 1973, aos 73 anos de idade. Filho de Júlio Teodoro Bettencourt, militar de carreira e, de Leopoldina de Santana Bettencourt, viu a luz do dia, numa casa na Rua das Murças, nº 49. Seus pais, tiveram cinco filhos, a Maria, Ilda, Manuel, António e o Eduardo, tendo a mãe, dado a formação musical, aos seus filhos.

Fez o ensino primário e o liceu, no Funchal, escrevendo o seu primeiro poema aos nove anos. Durante o período liceal, integra com os seus irmãos, o conjunto musical “Os Bettencourts”. Chega a Lisboa, por altura dos derradeiros tiros em Monsanto, quando da morte de Sidónio Pais.

Matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no ano lectivo de 1918-1919, curso que, frequenta durante quatro anos. Em 1921, vive em Lisboa, num quarto, na Rua de São João dos Bem Casados, participando em serenatas académicas, sobretudo na Costa do Castelo. Frequenta já nessa altura, com alguma assiduidade os cafés da Baixa Pombalina. Segue com muita atenção o trabalho dos Modernistas, com especial destaque para o de Almada Negreiros. No ano lectivo de 1922-1923, após a conclusão do 2º ano do curso, ruma a Coimbra e, matricula-se na Universidade de Direito, fixando residência na República do Funchal. Em 1922, conhece Artur Paredes e, estreia-se como cantor, passando a integrar o respectivo grupo. Depois de se estrear como cantor de Coimbra, em Viseu, Figueira da Foz e Coimbra, integra em 1923, uma digressão da Academia, a Espanha, ao lado de António Menano e de Artur Paredes.

Desde que a 8 de Maio de 1926, deu uma fífia ao cantar “O Fado do Choupal”, no Teatro Nacional de S. João do Porto, nunca mais subiu a uma palco, para cantar. Em 1927, integra um grupo, com Branquinho da Fonseca, José Régio, João Gaspar Simões e Miguel Torga, que lança um manifesta “Pró-Modernista”, sugerindo o título de “Presença”, para a revista do movimento, que começa a publicar-se em Março, desse ano.

As suas gravações, datam, as primeiras, de Fevereiro de 1928, feitas na cidade do Porto, voltando a gravar em Lisboa, em Dezembro de 1929. Nesse mesmo ano, torna-se compadre de Artur Paredes, vindo a ser padrinho da sua filha. Em 1930, publica o livro de poemas O Momento e a Legenda. Nesse ano, com Miguel Torga e Branquinho da Fonseca, afasta-se da Presença, fixando nesse ano, residência em Lisboa, começando a trabalhar, como amanuense, nos hospitais civis de Lisboa. 1946, é o ano do poema Liberdade, escrito para o repertório, do maestro Fernando Lopes Graça. Depois o Ar Livre, em 1947.

Regressado de Coimbra, nos anos 30, viveu em solteiro, na Rua do Crucifixo, nº 116, 1º Eq. Em 1948, casa com a Sra. D. Maria José de Menezes Bettencourt, indo viver para casa onde sua mulher habita, na Rua de S. José nº 163, 2º Dt., em Lisboa, convivendo intensamente, durante um largo período, com o grupo surrealista, que reúne nos cafés Gelo, Royal e Restauração. Poemas como a Balada dos Meus Amores e Poemas do Meu Sossego, aparecem em 1952, Relâmpago em 1957, e 1960, é o ano de Horas, Nocturno Fundo, Noite Vazia e Sepultura Aérea. Em 1960, escreve o texto de apresentação dos discos Saudades de Coimbra, interpretados pelo seu amigo e grande voz do canto de Coimbra, Paradela de Oliveira.. Em 1961, mais produção poética, com Tertúlia, em 1962, com Lassidão e, em 1963, publica o livro, Poemas de Edmundo de Bettencourt, com prefácio de Herberto Hélder. Uma vida de intervenção social humanística, de poesia, de preocupações e inquietações, dum homem de grande carácter.
Reforma-se, como delegado de propaganda médica, vindo a morrer em Lisboa, a 1 de Fevereiro de 1973.

Nota Informativa:

- Existem dois prémios literários, com regulamentos próprios, instituídos um, pela Câmara Municipal do Funchal, outro, pela Câmara Municipal de Coimbra.

- Foram feitas algumas homenagens, a este grande homem de cultura, hoje, infelizmente menos conhecido na Academia (sobre este assunto, contarei um dia, a experiência do Teotónio Xavier e do Gustavo Cerdeira).

- Sobre Edmundo de Bettencourt, publicou-se em 1999, no Funchal "No Rasto de Edmundo de Bettencourt - Uma voz para a Modernidade", da autoria do Dr. António Manuel Nunes.

- A Dra. Teresa Bettencourt Pereira (sendo madeirense, não é família de Edmundo de Bettencourt), defendeu na Universidade do Minho -Braga, uma tese sobre a vida e obra do poeta.

- Uma grupo de amigos, admiradores e conterrâneos, prepara uma homenagem evocativa da vida e obra do poeta e cantor de Coimbra, estando a tentar colocar uma lápide comemorativa, na rua onde viveu após o seu casamento: Rua de S. José, nº 163, 2º Dt, em Lisboa.

Do Blog "osolquandonasce.deslizo.com":

"Não é sem comoção que lemos os Poemas Surdos, lugar onde desemboca a terrível e libertadora aventura do poeta. Quando pensamos que estes textos foram escritos num tempo em que imperava a estética presencista e começava a instalar-se o dogma neo-realista, não podemos deixar de sentir um estremecimento.

Herberto Helder, 1963


ATRACÇÃO

De dois momentos da distância, dois corpos foram de tal modo um
para o outro, que logo duas colunas de pedra, e que eram os
braços monstruosos dum gigante, se cruzaram por detrás no
espaço, ao dar-se o embate!
Estavam os dois, um em frente do outro, conversando, com vida,
desmantelados:
Um sem um olho e com os dentes partidos.
O outro coxo e sem um braço.
E ambos escorriam sangue sobre a alvura da neve que existia e cujo
frio era música distante…
Os dois sorrindo olhavam, gelados, a paisagem, seguindo suspensos
atrás duma flor do esquecimento que se esfumava fugitiva…
Até que chegou a hora repentina do fogo mais remoto que ao aque-
cê-los os queimou devorando-os.
Sobre os cadáveres carbonizados a noite veio então abrir um sorriso
do tamanho da sua escuridão.

HORAS

Gelava o tempo branco do relógio.
Fundiu-se um dia o mostrador
aberto para dentro
num foco por onde as horas negras fugiram enlouquecidas!
Lá para longe na faixa rósea da distância
recuaram ante o incessante alarido dos sinos
e logo regressaram
desesperadamente procurando em vão
o maquinismo do relógio.

Via-se o dia fechado de silêncio
num quadrado de luz amarelada
e de novo preso o pé do jovem
quando ia para sair.

ASAS

Do colo branco da paisagem
saíram, abrindo-lhe um buraco ensanguentado,
a cara dela
que era uma sereia
e que era uma pantera a rebolar no chão
aos rugidos metálicos do amor
sob a forma de nuvens muito ao longe…

Despertei-me o felino adormecido.

Depois houve, feridas, duas bocas beijadas
que sangravam imenso na cozinha
onde ela calma e virtuosa ia mexendo a sopa!

E tudo após ter-se partido
uma enorme porção de loiça
mas como se não tivesse havido nada!

Poemas Surdos (1934-1940), in Poemas de Edmundo de Bettencourt

Verifico mais do que suporto verificar que se pega em tudo pelos lados de fora, e se não vê aquilo que esperava ser pegado e visto pelos lados de dentro. Ora isto não põe muita fé nas transformações verdadeiras, e parece-me que Edmundo de Bettencourt escreveu os seus trinta poemas expoentes para aqueles tais que ficam em casa com a pouca poesia que se vai exorbitando.

Herberto Helder, 1999

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